Ele
Às vezes eu sinto que vivo na iminência de um desastre. Parece que a qualquer momento eu vou acordar e ele vai estar me olhando no escuro, esperando eu levantar pra me levar pra um lugar pior do que o planeta terra. Talvez uma madrugada dessas que vou na cozinha por fome e por vontade de andar eu olhe pra cima e ele esteja lá. Me assalte no meio da madrugada e eu fique como desaparecida por anos até voltar a ser encontrada perdida em mim numa praia na Bahia.
Não sei quem é ele, mas tenho a impressão que é um homem. Sempre são os homens os portadores das notícias ruins. Ele não é daqui, mas ele fala português. Não diz as gírias porque não seria profissional, mas é claro que ele conhece.
Às vezes me dói o peito do nada, fico sem ar e sinto no canto do quarto alguma coisa. Meu cachorro sempre late. Pode ser um mosquito. Pode ser ele. Tem outros dias que eu acordo num susto, acendo a luz e não tem nada, mas tinha.
Talvez ele esteja com pena de mim. Pena de me levar pra esse lugar escuro e estranho que não tem suco de laranja nem MPB. Talvez ele esteja esperando o momento do inferno passar por aqui, esperando o momento que o inferno volte a ficar pior do que o Brasil.
Isabel Lessa nasceu no Rio de Janeiro em 1999. É estudante de Letras na UFRJ e aspirante à escritora. Escreve poemas e contos desde a infância. Mantém um blog literário no Instagram chamado @livrandome.